terça-feira, 19 de março de 2013

3096 dias presa em muros visíveis e muralhas invisíveis



Não me recordo como este livro, 3096 dias de Natascha Kampusch chegou ao meu conhecimento. Mas quando vi a sinopse dele, fiquei curiosa. Uma guria austríaca sequestrada aos 10 anos e que consegue fugir somente 8 anos depois relata todo esse tempo no cativeiro. Bateu a curiosidade mórbida.

Achei estranho o jeito muito racionalizado como ela descreve esses 8 anos e pouco. Não sou formada em psicologia, mas captei algo insólito nessa história. Concordo com a visão de Natascha, de que essa experiência gera algo além de uma "síndrome de Estocolmo", é algo bem mais complexo do que simplesmente empatia pelo bandido; um mecanismo de sobrevivência acima de tudo. Mas há momentos nessa narrativa bem estruturada, em que há contradições notáveis. Não vou soltar spoilers porque perder a graça, mas quem ler irá notar que uma hora ela diz A e em outro momento, um pouco hesitante, diz B. Enfim...

Fiquei com a pulga atrás da orelha quando ela contou que o primeiro livro que o sequestrador dá para ler no cativeiro é Alice no país das maravilhas. Eu nunca tinha visto a história de Lewis Carroll pelo ângulo que ela mostrou:


"O livro me afetou de modo estranho e desagradável. Alice - uma menina da minha idade - segue, em sonho, um coelho branco falante até a casa dele. Quando ela entra na toca do coelho, cai nas profundezas e chega a um lugar com muitas portas. Está presa em um mundo intermediário debaixo da terra, mas o caminho para a superfície está bloqueado. Alice encontra uma chave para a porta menor e um frasco com uma bebida mágica que a faz encolher. Mal passa pela minúscula porta, esta se fecha atrás dela. No mundo subterrâneo em que entra, nada faz sentido. As dimensões se modificam continuamente, e os animais falantes que ela encontra ali fazem coisas que contradizem a lógica. Mas ninguém parece se incomodar com isso. Tudo parece deslocado e fora de equilíbrio. O livro inteiro é um único pesadelo extravagante, em que todas as leis da natureza são suspensas. Nada nem ninguém é normal - a menina está sozinha em um mundo que não compreende e no qual não tem ninguém para conversar. Ela tem de criar coragem para não chorar e para agir de acordo com as regras dos outros. Visita os intermináveis chás do chapeleiro, em que todo tipo de convidados malucos aparece, e participa do terrível jogo de croquet da malvada Rainha de Copas, em que, ao final, todos os outros participantes são condenados à morte.
  
– Cortem-lhe a cabeça! - grita a rainha, rindo de modo insano.

Alice consegue abandonar esse mundo subterrâneo porque acorda do sonho. Quanto a mim, quando eu abria os olhos depois de algumas horas de sono, o pesadelo continuava. Essa era minha realidade".

É sinistro cogitar que Carroll tenha colocado em outras palavras uma história como a de Natascha! Me deu aflição isso, ainda mais porque Alice no país das maravilhas foi o primeiro livro que escolhi para pôr parecer aqui no blog.

Nós, brasileiros, achamos que a polícia aqui é uma porcaria e tal, mas um consolo: a austríaca também é, falha em vários sentidos. A raiva que Natascha tem quando, ao sair da prisão, descobre que poderiam tê-la salvo é indescritível. 

Uma coisa que ficou muito marcada, principalmente nos primeiros tempos do sequestro, é que no dia fatídico, ela saiu de casa com raiva da mãe e não se despediu. Afinal, o que poderia acontecer? Na cabeça da gente, uma coisa assim só acontece em filmes, livros... Mas não na nossa vida. E aí você se pega repensando naqueles conceitos - que hoje em dia o pessoal usa como modinha e pra pagar de cult - como o carpe diem, por exemplo. Aproveitar o tempo como se fosse único, o último. Porque, de repente, pode ser mesmo.


Natascha na época em que foi sequestrada, com 10 anos (aproximadamente).

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