domingo, 20 de maio de 2012

A cor púrpura - Alice Walker


Lá pelos meus 11, 12 anos de idade ganhamos, ou pegamos emprestado – não me recordo – uma fita de video-cassete (alguém se lembra disso?) com alguns filmes de um parente nosso. 

Entre tantos filmes, vistos e revistos, um deles era “A cor púrpura”.

Claro que não era exatamente um filme pra crianças, mas a história me marcou muito e gerou um nojo quase permanente pelo ator Danny Glover, que faz o papel de Albert.

Anos depois descubro que esse filme é baseado em um livro escrito por Alice Walker, uma feminista norte-americana negra. Hoje, eu, me autodenominando feminista, envolvida na área profissional com políticas para mulheres, e negra, tive cada vez mais motivos agregados para conhecer essa história.

Assim, escolhi essa obra para leitura de abril (sim, estou atrasada!).

Confesso que da mesma forma que é chato assistir um filme depois de ler o livro em que ele se baseia, assistir ao filme dezenas de vezes antes de ler o livro original acabou engessando um pouco minha imaginação. Mas, vamos ao livro.



A história conta da vida de Celie desde de seus quatorze anos até sua fase adulta. 

Utilizando o recurso narrativo de cartas que Celie escreve a deus, o que reforça em nós a sensação de solidão perante as diversas tragédias e violências pelas quais passou, acompanhamos um processo progressivo de empoderamento dessa mulher negra em um contexto fortemente racista e machista, no sul dos EUA. O período em que a história se passa não fica explícito no livro, mas pela presença de automóveis, imagino que não seja em época muito distante.

Pela quantidade de temáticas tratadas, e pelo meu desajeito causado pela cada vez menos frequente prática da escrita, decidi enumerá-las em tópicos:


  •  violência sexual contra criança em contexto de pretenso incesto;
A  protagonista já nas primeiras páginas no livro narra as violências que sofreu com seu pai ainda nos primeiros anos de sua adolescência. Mostra como foi a reação de sua mãe e comenta sobre os dois filhos que gerou de seu agressor, que, não satisfeito, os afastou logo após seus nascimentos.

  • a classificação da mulher através de um padrão de beleza ou habilidades com afazeres de casa;
Celie desde sempre era considerada feia, porém  “aceitável” contanto que mantivesse sua utilidade enquanto força de trabalho doméstico. A falta de beleza a rebaixava em tal nível que, comparativamente à sua irmã, com quem ela mantinha a única relação de afeto em sua infância e parte da juventude, por ser considerada mais bela, pode obter “vantagens”, como, por exemplo, ser mais resguardada em relação à violência sexual (por não ser tão objetificada) e poder estudar.

  • o tratamento da mulher enquanto objeto de troca;
O casamento da protagonista foi uma verdade negociação. Albert, ou “Senhor”, como Celie se refere, havia escolhido sua irmã mais nova, Nettie, para casar-se, porém, através de uma transição que muito lembra a comercial, Celie teve que se casar com esse homem, até então desconhecido, independentemente de sua vontade.

  • impedimento de estudo a mulheres em determinados contextos;
A restrição aos trabalhos domésticos e a constante afirmação de que era burra, restringiu ainda mais o espaço social onde circulava a protagonista da história, deixando-a com baixas perspectivas de mudança.

  • amor –  relação homoafetiva;
Algo muda quando Albert traz à sua casa, sua amante, Shug Avery, personagem chave para a mudança na história.
Celie apaixona-se por Shug, uma mulher completamente diversa daquelas com quem convivia: ela é livre.
Como mulher negra e artista passou também por diversas dificuldades, porém adota uma postura muito mais pró-ativa.
A aproximação das duas gera um laço afetivo e erótico, fazendo com que Celie desenvolva outro tipo de relação com seu próprio corpo e autoimagem.

  • naturalização da violência contra mulher, inclusive por quem já a sofreu;
Não farei comentários para não estragar surpresas na história.

  • ressignificação de elementos religiosos tradicionais;
Após a revelação de certo segredo envolvendo sua irmã, Celie passa a desenvolver outra perspetiva em relação a deus. Isso é observável inclusive no formato da narrativa.
Para além da protagonista, temos outras reflexões nesse sentido. Deixo aqui uma citação:

"Dizem que os missionários brancos antes da Nettie e deles foram contar tudo acerca do Adão de acordo com a opinião dos Brancos. Mas eles sabem quem é o Adão à maneira deles. Há muito
homem branco. Não é o primeiro homem. Dizem que ninguém é tão parvo que pensa que sabe quem foi o primeiro homem. Mas toda a gente repara no primeiro homem branco porque é branco."

  • relação entre ativistas/missionários e comunidade tradicional;
Mostra como é delicada a relação entre uma comunidade e pessoas alheias que pretensamente buscam oferecer algum tipo de verdade.

  • empoderamento da mulher em situação contínua de opressão, que vemos ao longo de toda história, até seu ápice;

  • perdão: essa parte me deixou um tanto chocada (por causa do meu engessamento com o filme), mas achei interessante pois a autora evitou trabalhar os personagens de forma maniqueista;

  • racismo: como fica explícito nas relações com os brancos da cidade.

  • violência entre “minorias”
Acho um grande mérito essa abordagem. É muito recorrente que em populações mais “vulneráveis” a outros tipos de discriminação, haja tentativa de unidade para fortalecimento do grupo, porém isso acaba, muitas vezes, maquiando a existência de relações de poder internas. O fato da história tratar sobre um grupo de negros, que vivem sob a intolerância dos brancos, não traz inerente a idealização dessas pessoas enquanto vítimas ou puras.

De forma geral, apesar do foco estar em Celie, a autora constrói todas suas personagens  mulheres como figuras fortes. As variadas características femininas ajudam a criar diversos matizes, impedindo generalizações sobre mulheres negras.

Uma leitura extremamente válida e que, apesar de ter sido uma ótima adaptação às telas do cinema, ainda nos apresenta uma quantidade maior de reflexão.

3 comentários:

  1. A parte em que a Cellie conversa com a Shug a respeito de deus é demais!

    ResponderExcluir
  2. Li este livro há muito tempo e adorei! Comecei por conhecer a história pela versão cinematográfica de Steven Spielberg e não pude deixar de ler. Adorei!
    Para quem quer ler, encontrei para baixar grátis:
    http://portugues.free-ebooks.net/ebook/A-Cor-Purpura

    Boas leituras!

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...